terça-feira, 23 de junho de 2009

A QUALIDADE EM QUESTÃO

José Antonio Sousa Silveira


Qualquer discussão que envolva o tema EDUCAÇÃO, inevitavelmente conduz ao debate sobre a Qualidade dessa Educação. Particularmente, no Brasil, estas e outras questões têm ocupado o centro das grandes preocupações não apenas de educadores/professores, especialistas e legisladores, mas de toda a sociedade, uma vez que os reflexos da educação com baixa qualidade são percebidos e sentidos por todos, e manifestam-se em toda a sua multiplicidade, e das mais variadas formas: no desenvolvimento econômico, no alto índice de desemprego, no aumento da violência, na qualidade de vida da grande parcela da população. E em sentido mais restrito, pode-se apontar a falta de habilidade com a leitura e a escrita, a ausência de senso crítico e a perda do direito ao pleno exercício da cidadania.
Logo, discutir Educação sem que se faça menção a sua qualidade é permanecer num discurso demagogo, é tratar do tema de modo superficial. É como analisar um objeto apenas de um determinado ângulo, somente de um ponto de vista, o que certamente não favorece ao conhecimento do todo; não permite uma visão global do que se pretende observar. Entendido assim, dificilmente se chegará a uma solução para o problema central da Educação em nosso país, que é a sua qualidade. Contudo, é fundamental esclarecer que a Educação no Brasil não carece de qualidade, mas tão-somente que a péssima qualidade seja transformada em boa (aliás, muito boa, excelente), e isto deve ser preocupação de todos que se interessam pela Educação em nossa nação.
Quando se diz que esse tema, a qualidade em educação é de interesse social, cujo sucesso depende da participação de todos; jovens, adultos e idosos, homens e mulheres, independente de sua área de atuação, de sua profissão, de sua condição social, entre outros determinantes, não se está jogando a responsabilidade “para todos e para qualquer um”, mas informar que esta é uma discussão na qual requer o envolvimento de toda a nação; ninguém deve ficar alheio aos problemas decorrentes do grande mal sofrido pela educação brasileira, haja vista que as conseqüências advindas disto, direta ou indiretamente, atingem a todos, indiscriminadamente.
Como temos presenciado, neste início de século, o Brasil tem passado por grandes mudanças, algumas que determinaram avanços significativos e outras que, infelizmente, têm trazido sérias consequências para a vida dos cidadãos de um modo geral.
Neste contexto, cita-se a redemocratização da educação que em suma tem possibilitado o acesso de um enorme contingente de pessoas a uma sala de aula, mas que, em contrapartida, tem comprometido seriamente muitos aspectos da educação oferecida.
Daí ter se tornado lugar-comum nas críticas feitas por diferentes instituições e sujeitos, em diferentes instâncias, a afirmação “a educação brasileira carece ser melhorada em sua qualidade”. O discurso é sempre o mesmo: “precisamos melhorar a qualidade da educação”; “a educação precisa de políticas que visem sua qualidade”; “o fracasso escolar é resultado de uma má qualidade na educação”; “vamos melhorar a qualidade da educação de nossas crianças “...
Enfim, falar ou reclamar a qualidade da educação passa necessariamente pelo esclarecimento sobre a que qualidade exatamente as pessoas tanto se referem. Mas afinal, de que qualidade tanto se fala? Qualidade de quê? Do ensino? Da aprendizagem? Da formação dos professores e professoras? Do currículo? Das políticas públicas educacionais? Dos recursos didáticos? Qualidade das instalações físicas das escolas? Do tempo destinado a essa educação e aos educandos?
Não há dúvidas de que todos esses pontos estão subjacentes à Educação e a sua qualidade. Mas há uma questão bem mais emergente e urgente quando se trata da excelência da educação em nosso país, em particular a do nosso estado: a tão famigerada qualidade tem sido tratada como algo abstrato, e não o é. Basta pensar nos problemas comumente relacionados à falta de qualidade ou nos fatores os quais são apontados como sendo responsáveis por grande parte dos fracassos da educação brasileira: a falta de qualificação dos docentes; a ineficácia das aulas ministradas; as péssimas condições das escolas públicas e de seus recursos; das inadequações dos currículos entre outros. E tudo isso, como podemos inferir, não é algo abstrato, é bastante concreto, faz parte da realidade da Educação pública do Brasil em quase toda a sua totalidade.
Dos questionamentos feitos anteriormente, de certo que não temos uma resposta única. Acreditamos que a qualidade que tanto falamos e reclamamos contempla todos aqueles aspectos. Da mesma forma, acreditamos na superação do problema que se coloca e na sua solução, mas que somente acontecerá caso haja colaboração de todos.
Há, em especial, um grupo que precisa, com a máxima urgência, acordar para esta realidade. Não há como negar que a boa ou a má qualidade da educação depende sobremaneira daqueles que estão diretamente envolvidos no processo ensino-aprendizagem: professores e professoras. É por intermédio deles e delas que toda e qualquer política educacional se efetiva. A responsabilidade de pôr em prática as metas educacionais estabelecidas pelos governantes passa, inevitavelmente, por eles. Antes, contudo, é de fundamental importância que toda a classe tenha senso critico para analisar as propostas de educação, que saiba examinar com muito critério os objetivos a serem alcançados com tais propostas e, acima de tudo, tenha sensibilidade e discernimento suficientes para perceber as reais intenções daqueles, as ideologias subjacentes na política educacional brasileira, por exemplo.
Neste sentido, cabe aos mestres, além daquilo que lhes é atribuído enquanto profissionais envolvidos diretamente no processo de ensino-aprendizagem, a função especialíssima de garantir a tão desejada e propagada qualidade na educação. Dito dessa forma parece que está nas mãos do professor, da professora o poder de decisão. É de conhecimento de todos aqueles que trabalham nesta área como e em que sentido as grandes decisões são tomadas: são sempre impostas e vem sempre de cima para baixo. Desta perspectiva, de fato, o poder de decisão não está nas mãos dos professores. Mas de acordo com a teoria da relatividade... Tudo é uma questão de ponto de vista. De outro ângulo: se o educador analisar que na prática de sala de aula é dele o “mando”, perceberá que não apenas o poder de decisão está em suas mãos, mas a própria capacidade de formação e de transformação da qualidade da escola, da educação, da sociedade.
Partindo dessa premissa, a qualidade da educação em nosso país depende sim, em boa parte, dos professores e professoras. Resta a cada educador tomar consciência de sua responsabilidade para com a educação. Saber que antes de ser uma profissão, um meio de tirar seu sustento, exercer o magistério é assumir um compromisso com a sociedade, com a nação; é estar ciente de que passa por sua responsabilidade a árdua tarefa de formar cidadãos e cidadãs, de transformar a realidade das pessoas, das comunidades, do país. Ter compromisso e ser compromissado consigo mesmo e com o outro. Pensar que primar pela boa qualidade da educação é uma forma de melhoria da qualidade de vida de todos, inclusive de sua própria vida.
Visto desta forma parece que a solução é simples e fácil. Sabemos que não é bem assim. Aqui, não se pretende conceber o problema de modo simplista e reducionista, mas agigantar o problema também não ajudará na solução. É notória sua magnitude e complexidade, mas se acovardar diante de qualquer problema antes de se tentar superá-lo nunca vai permitir a certeza de que de fato ele é como se diz ser.
É preciso o reconhecimento do que de fato é o ideal, o real e o que é possível. O ideal é que a educação em nosso país seja de excelente qualidade, a realidade que se apresenta é exatamente o oposto, mas o ideal é sempre possível quando se acredita. Para isso, mais do que políticas públicas, é preciso primeiro que os professores e professoras se politizem.

O ENSINO DE LÍNGUA PORTUGUESA

O texto tomado como referência para as constatações aqui arroladas “Ensino de língua portuguesa e contextos teórico-metodológicos” é assinado por Maria Auxiliadora Bezerra. No referido texto, a autora apresenta suas ponderações acerca da atual situação do ensino de língua portuguesa no Brasil. Inicialmente, ela descreve como se dá esse ensino, retratando o tratamento dado ao mesmo. Posteriormente, apresenta os argumentos que sustentam sua afirmação, apontando aspectos intrínsecos relativos à metodologia empregada neste ensino.
Como estratégia de situar o leitor, a autora traça um breve percurso histórico do ensino do Português enquanto disciplina escolar aqui no Brasil, na tentativa de mostrar que a atual prática desse ensino tem suas raízes arraigadas na história, ou seja, uma prática construída historicamente. Outro ponto abordado em seu texto diz respeito às contribuições da Lingüística. Ao longo de todo o texto, a autora aponta as contribuições teóricas que exercem influência na metodologia de ensino da Língua Portuguesa, trata sobre as renovações metodológicas ocorridas e cita as mudanças processadas quanto à utilização dos textos no referido ensino.
A primeira inferência que se pode fazer com relação ao que a autora se propôs a discutir é que ao longo da história da educação brasileira, em especial ao do ensino da Língua Portuguesa, grandes mudanças ocorreram até o atual estágio. Mudanças significativas, sob determinado ponto de vista, mas também, analisado por outro ângulo, mudanças que apontam para uma crise evidente.
No que se refere ao salto de qualidade, destacam-se as valiosas contribuições advindas dos estudos lingüísticos postulados pela Lingüística, Sociolingüística, Análise do Discurso, Lingüística Textual entre outras. Estas ciências têm oferecido um embasamento necessário ao auxilio da transposição didática, isto é, tem servido de base para a construção de um aparato pedagógico a serviço do ensino de Língua Portuguesa, permitindo aos professores mecanismos que favoreçam a compreensão do processo de ensino-aprendizagem qual seja reflexão – ação - reflexão.
Destaca-se, ainda, como mudança significativa, o modo de se conceber a língua, o que, certamente, determinou a forma de tratar o ensino. A partir do momento em que a língua passou a ser entendida como mecanismo de interação, o modo de ensinar Língua Portuguesa sofreu mudanças bastante perceptíveis desde a implementação de políticas públicas até as práticas em sala de aula.
Mesmo com todos esses avanços, há uma evidente crise no ensino de Língua Portuguesa atualmente. Essa constatação pode ser demonstrada pelo baixo desempenho lingüístico dos alunos em toda educação básica, e, em muitos casos, mesmo no ensino superior. As constantes avaliações feitas pelo Governo Federal têm comprovado esta situação. Em todas elas, os alunos brasileiros demonstram falta de habilidade com a leitura e a produção de texto escrito.
Há, neste sentido, uma explícita contradição: se o ensino de Língua Portuguesa recebeu grandes e significativas contribuições teóricas nos últimos tempos, por que os alunos apresentam tantas dificuldades no que diz respeito às habilidades de leitura e de escrita? Este é um questionamento que muitos (se) fazem em particular professores de Língua Portuguesa. Certamente que as respostas só podem ser construídas coletivamente, a partir de um exame crítico da questão.

A CRISE DO ENSINO E A LÍNGUA FALADA NO BRASIL
A este respeito, boa parte das considerações já foi antecipada. Como dito anteriormente, não há como negar que o ensino brasileiro passa por séria crise, e isso muito particularmente tem haver com o ensino da língua. O que não faltam são exemplos que ilustrem e evidenciem esta assertiva: as altas taxas de analfabetismo; o tão famigerado fracasso escolar, expressado nas sucessivas retenções, abandonos e evasões, no número cada vez crescente da massa de analfabetos funcionais, entre outros, para não citar todos de uma interminável lista.
Vê-se, portanto, que a crise é um fato. Na realidade, deve-se falar em crises, uma vez que se há crise na educação de um país, conseqüentemente há em quase todas as áreas: social, científica, cultural, econômica, política...
De modo específico, analisando-se um dos aspectos da crise do ensino, é necessário que de imediato se estabeleça uma relação intrínseca entre o ensino e a língua. É notório que o Brasil, por apresentar uma diversidade étnica, cultural e geográfica, por exemplo, não pode apresentar uma homogeneidade quanto ao modo de usar a língua. Isto confere a língua falada aqui, como em qualquer outra língua, características heterogêneas. Assim sendo, a língua falada apresenta variações de diferentes naturezas.
E são estas variações que em certa medida imprimem ao ensino graus de dificuldade, mais precisamente no que diz respeito ao não reconhecimento da legitimidade desta modalidade no âmbito da escola. Grosso modo, a escola não tem uma postura de acolhimento da língua falada pelo aluno no seio de sua comunidade e trazida para o interior desta. O conflito entre a língua reconhecida pela escola (a padronizada pela escrita) e as variações usadas na fala pelo aluno resulta nesta eterna crise, com repercussões no social, no educacional, no cultural entre outros.
É preciso o enfrentamento do problema que se coloca. A superação desta ou de qualquer que seja a crise passa inevitavelmente por uma reflexão mais detida nas questões que permeiam tal situação. Mais que se deter no ato de refletir, urge uma tomada de posição, de atitudes, de ações concretas haja vista que também são concretas as crises vivenciadas no ensino, na sociedade, na área cientifica, no magistério, no Brasil como um todo.

REFERÊNCIAS
BEZERRA, Maria Auxiliadora et. al. (orgs.) Gêneros textuais e ensino. Rio de Janeiro: Lucerna, 2002.CASTILHO, Ataliba Teixeira de. A língua falada no ensino de Português. São Paulo: Contexto,19

LÍNGUA ESCRITA: MECANISMO DE INCLUSÃO/EXCLUSÃO SOCIAL

José Antonio Sousa Silveira
josansilver@hotmail.com

O PODER DA LÍNGUA ESTÁ NA LÍNGUA
Diferentemente do que se imaginou, quando a revolução tecnológica atingiu seu ápice e o mundo se curvou diante das grandes descobertas e avanços tecnológicos - da micro-informática, das telecomunicações e da robótica, para não citar todas as outras conquistas das últimas décadas do século XX e início do terceiro milênio - os livros continuam ocupando espaço privilegiado enquanto meio para difusão do conhecimento.
Talvez essa afirmação não se constitua, sob determinado ponto de vista, em nenhuma novidade. Porém, de modo bem específico, mais particularmente no que tange às previsões mais negativas feitas logo que o mundo passou a ser dominado pelas máquinas, ou seja, quando a aquisição e o manuseio das novas tecnologias - as já citadas e tantas outras quase indispensáveis hoje – o que era propagado e tido como certeza absoluta, era a idéia de que os livros estavam fadados ao esquecimento e ao abandono.
Felizmente, tais previsões não só não se confirmaram como o que houve foi um efeito contrário; é notório o aumento no volume de publicações de livros, de artigos em revistas e também nos meios eletrônicos. Hoje há todo um reconhecimento da importância vital que tem a língua escrita, embora o processo de democratização do acesso ao material escrito não tenha acompanhado o mesmo ritmo.
Esse reconhecimento, do papel que têm os livros, ou qualquer outra fonte de conhecimento que faz uso da língua escrita, não coloca o ato da leitura e da escrita no mesmo nível de relevância. Ao contrário, o que se tem percebido, nessas últimas décadas, é que essas práticas perderam definitivamente sua função social no espaço da escola e hoje são vistas apenas enquanto atividade meramente escolar.
Nesse sentido, há de se examinar, com mais critério e acuidade, as práticas de leitura e de escrita, quer no âmbito escolar, quer fora dele. No espaço escolar, deve-se verificar de que forma essas práticas vêm sendo empreendidas e de que maneira, também, essas mesmas práticas têm contribuído para a conscientização de que ler e escrever são, a priori e a posteriori, atividades essencialmente sociais. Não se pode negar que no espaço social, no cotidiano das pessoas, em suas atividades diárias, querem profissionais ou não, a língua escrita está sempre presente, de uma forma ou de outra.
Partindo desse pressuposto, pode-se afirmar que o ensino de língua materna tem falhado nesse aspecto, qual seja o de levar os usuários da língua à tomada de consciência de que a apropriação da língua escrita justifica-se tão-somente pela demanda que toda sociedade letrada tem: aprender a ler e a escrever enquanto condição única de inserção na sociedade, embora isso não signifique participação efetiva na sociedade da qual faz parte.
Apropriar-se dessa modalidade da língua, nas suas práticas de leitura e de escrita, não somente no sentido de domínio de atos mecânicos de codificação e decodificação desses símbolos gráficos, mas como atividades significativas. Significativas em termos de (re) significação do mundo, do eu, do outro, do indivíduo em via de tornar-se sujeito, mas um sujeito autor do seu próprio discurso, não um mero repetidor do discurso alheio. E isto deve ser entendido como um dos grandes objetivos para o ensino de língua materna seja ela qual for, no nosso caso, a Língua Portuguesa.
Considerando a situação dada, pode-se agora dizer que falar em inclusão social sem que se faça referência ao instrumento primordial e indispensável para que todo e qualquer indivíduo torne-se sujeito, é permanecer no discurso esvaziado de sentido, é fazer uso do discurso demagogo. Oportuno salientar que é por intermédio da língua que as pessoas expressam seus sentimentos, desejos, anseios, vontades, angústias. É ela a condição primeira para o tão propagado exercício da cidadania.
Sabe-se que exercer a cidadania implica, especialmente no Brasil, reclamar direitos, argumentar deveres, informar-se deles. E a maneira mais eficaz para se atingir tal objetivo é utilizar-se da língua, não apenas na sua forma oral, mas, sobretudo, na modalidade escrita, uma vez que esta tem seu uso socialmente prestigiado, em detrimento da expressão oral.
Não é necessário um raciocínio lógico-matemático apurado para se equacionar algumas questões que se colocam. Sabe-se que a língua escrita é socialmente prestigiada (não esquecendo que somente a chamada norma culta ou padrão). Já é senso comum entre os especialistas o fato de que o contato ou a prática com essa modalidade, pelo menos para boa parcela da população, está restrito ao espaço escolar e não há como negar que, hoje, ler e escrever são atividades quase que exclusivamente escolares.
Sabendo-se também que estas mesmas atividades deixam muito a desejar, quantitativa e qualitativamente, na maioria das escolas brasileiras, pergunta-se então: o uso da língua escrita é igualitário para todos? Todas as pessoas têm as mesmas condições e possibilidades de acesso e uso da língua escrita? Ler e escrever são práticas sociais efetivas e significativas para todos? A escola atribui à língua escrita os mesmos valores que ela tem fora do contexto escolar? Seguramente, as respostas para todos esses questionamentos são múltiplas e variadas, mas, sem dúvida, convergem para um só fato: a exclusão social via língua escrita.
Embora pareça estranho dizer que alguém é colocado à margem da sociedade porque não domina a língua escrita, mas são muito comuns situações em que boa parcela da população brasileira deixa de ter acesso ao conhecimento histórico e socialmente construído, aos bens culturais ou é impedida de receber algum benefício do qual tem direito, sendo, portanto, lesada por não saber ler e/ou escrever. Ou mesmo sabendo ler e escrever não atribui significado para aquilo que lê e/ou escreve, além de fazer uso de uma variante da língua que se afasta do padrão, de uma variação desprestigiada pela elite, acaba sendo estigmatizada, ou seja, excluída de qualquer jeito.
E é a partir dessa perspectiva que se pode afirmar que a língua escrita constitui-se em um mecanismo de inclusão/exclusão social: quem tem mais habilidades com essa modalidade da língua terá mais oportunidades, ao passo que quem não as tem estará em completa desvantagem, vulnerável a uma marginalização, em todos os sentidos do termo.
Assim, com este texto tem-se a pretensão de abrir discussão sobre como a língua escrita se materializa em mecanismo de inclusão e/ou exclusão social. Espera-se que os argumentos aqui arrolados encontrem ecos na razão daqueles que se interessam pelo assunto.
Para, além disso, que suscite reflexões acerca de um problema de ordem social e comunitário, mas que se esconde no fingimento hipócrita daqueles que preferem ignorá-lo, pela manutenção do status quo, a ter que encará-lo, trazendo-o para o cerne das questões sociais urgentes.

LÍNGUA: produto cultural, social ou histórico?
Longe de se querer questionar a gênese da linguagem enquanto faculdade inerente ao homem, de se estabelecer diferença meramente didática entre linguagem e língua, ou de simplesmente apresentar conceitos de língua em diferentes perspectivas, aqui se pretende apresentar informações e, sobretudo, argumentos coerentes que expliquem ou mesmo justifiquem como ela (a língua) pode se tornar tanto um mecanismo de inclusão quanto de exclusão social, para tanto, é necessário recortes do objeto de análise, no caso a língua, enquanto produto cultural, social e histórico.
Quando se fala que a língua é produto cultural, está implícito que este produto também é social e histórico ao mesmo tempo e separadamente. Por mais paradoxo que possa parecer, esta informação é verdadeira. Toda língua é resultado de processos culturais, pois reflete o pensamento daqueles que fazem parte da comunidade lingüística que dela fazem uso e que por meio dela transmite todo o conhecimento culturalmente construído durante toda a sua existência e ao longo das sucessivas gerações. Todas as manifestações de uma determinada comunidade ou sociedade só se constituem enquanto cultura porque há um mecanismo de veiculação. Se assim entendido, não se poderia falar da cultura de um povo sem que seus participantes não fizessem uso de uma língua(gem).
Uma vez de posse de um conjunto de signos utilizados para permitir a interação entre os participantes de determinado grupo ou comunidade, tais signos (verbais e/ou não-vebais) só se constituiriam uma língua se convencionados, ou seja, a língua é um contrato social entre as pessoas que fazem parte deste grupo.
Neste aspecto, a língua é um produto social. Não só por isso. Ela possibilita a interação e a socialização entre as pessoas tanto de um mesmo grupo como de grupos diferentes, desde que estejam de acordo com as regras convencionadas. Mais que isso, a língua é por excelência um produto social pelo simples fato de ser ela quem determina e caracteriza a própria sociedade, guardando ela mesma a idéia de nação, de Estado.
Quanto ao último aspecto, dizer que a língua é um produto histórico é afirmar que a língua, enquanto organismo vivo, evolui, transforma-se, modifica-se não apenas no espaço, mas, sobretudo no tempo. Ela tanto é causa como efeito da história do homem.
Vê-se, portanto, que esses três aspectos se imbricam na essência de uma língua: a língua é um produto social, cultural e histórico, embora possam ser considerados distintamente.
A partir desta perspectiva, a participação ou a não-participação em uma determinada cultura ou sociedade estará condicionada inevitavelmente a apropriação da língua dessa sociedade ou cultura.
Considerando-se que as sociedades mais desenvolvidas encontram-se em um estágio bastante avançado no que se refere ao processo de letramento, ou ainda, o mundo globalizado só se tornou assim em função de as sociedades se tornarem letradas no sentido de fazerem cada vez mais uso da cultura escrita, fica bastante evidente que quem não tiver domínio da língua escrita estará sujeito a todos os tipos de exclusão, do mesmo modo que quem melhor dominar esta modalidade da língua não encontrará grandes dificuldades de inserção no meio social do qual faz parte.

EM VIA DE CONCLUSÃO
Seguindo esse raciocínio, não há como negar que a língua em todas as suas possibilidades de uso se constitua uma via de mão dupla, no sentido de que tanto serve como mecanismo de inclusão das pessoas no meio social como também é usada como um instrumento de exclusão, para o não exercício da cidadania. Isto se o termo cidadania for concebido como o pleno exercício dos direitos e deveres que compete a cada indivíduo que forma uma comunidade, uma sociedade.
A inclusão/exclusão via linguagem pode ser explícita quando se percebe que o próprio exercício da cidadania está associado a uma variedade de fenômenos sociais tais como educação, escola, saúde, habitação, ecologia entre outros que demanda o uso da língua, não apenas na modalidade oral, mas, sobretudo na escrita.
Embora para alguns estudiosos declarar que a relação entre o exercício da cidadania e o processo de alfabetização escolar é fruto de especulações e fazem parte do senso comum, insiste-se no argumento de que usar a língua nas suas diversas possibilidades permite que as pessoas percebam as ideologias subjacentes nos discursos, político, jurídico, médico, jornalístico, linguístico, filosófico e religioso, por exemplo, interagindo. E isto é exercer a cidadania.

MEMORIAL

Eu costumo dizer que o verdadeiro prazer pela leitura só acontece quando nós descobrimos seu verdadeiro valor. Digo isto porque foi exatamente o que aconteceu comigo. Ouço muitas pessoas dizendo que o prazer pela leitura não pode estar atrelada ao reconhecimento da necessidade. Eu concordo em parte. Falo, como disse anteriormente, a partir de minhas próprias experiências, e isto talvez não possa ser generalizado, da mesma forma como o que as pessoas disseminam a respeito do prazer idealizado pela leitura.
Divagações à parte, sinto-me profundamente triste por não trazer na memória lembranças de minha primeira infância e inicio da adolescência, no que se refere à atividade de leitura, especificamente as leituras de materiais impressos (livros, revistas entre outros). Não sei exatamente o que bloqueou as minhas lembranças.
Mas o que não se apagou de minha memória foram as boas e doces lembranças das histórias contadas por minha mãe. Histórias que acalantavam as nossas noites – ela sempre reunia os filhos menores antes de dormir - e nos contava histórias do imaginário popular, clássicos da literatura infantil e histórias do tempo de sua infância. Certamente que meu interesse por narrativas nasceu desse incentivo. Acredito também que as grandes dificuldades com as atividades de leitura foram provenientes das práticas pedagógicas escolares.
De minhas experiências com a leitura recordo a partir da 6ª série do antigo ginásio. Quando cursava esta série, já não morava com meus pais. Nesta época, morava com minha irmã mais velha, diretora de uma escola pública estadual em uma cidade do interior do Maranhão. Meu interesse pela leitura mudou radicalmente, no que se refere ao gênero textual. Na casa de minha irmã havia muitos livros didáticos, paradidáticos, enciclopédia, livros acadêmicos entre outros. Deliberadamente, passei a lê-los com o objetivo, ainda que não consciente, de buscar informações. Os textos acadêmicos eram os meus prediletos. Ali ficava sabendo, isto é, descobrindo coisas fantásticas, passei a me apropriar de conhecimentos não muito comuns para um garoto daquela idade. Lembro-me dos livros de Didática, História da Educação, Estrutura e Funcionamento do Ensino de 1º e 2º Graus, entre outros, além de inúmeras apostilas acadêmicas – nesta época minha irmã cursava sua segunda graduação, o curso de Pedagogia – livros didáticos de biologia, geografia, inglês, história e matemática, todos do 2º grau. Nesta minha fase da vida, especialmente a escolar, a única lembrança nitidamente viva era a ausência de uma biblioteca.
Todo esse universo contribuiu significativamente para a escolha de minha profissão de fé. Ao chegar ao curso de formação para o magistério, as atividades de leitura não mudaram no que diz respeito modo como eram implementadas: sempre ficava explícita a obrigatoriedade, ler para responder a uma “necessidade”, uma tarefa meramente escolar.
Apesar de ter essa lembrança não muito positiva com relação a prática de leitura, fui recompensado com o privilégio de ter bons professores, verdadeiros mestres que serviram como referencial para a minha vida profissional. Claro que não foram todos, mas recordo especialmente de quatro professores – dois de língua português, uma de alfabetização, outra de metodologia para o ensino de comunicação e expressão e minha professora de estágio supervisionado. Como o meu ensino médio foi o magistério, todas as disciplinas foram de extrema relevância, o que via na teoria era facilmente aplicável na prática. Desta época lembro-me de um texto de reflexão que muito me marcou pelas questões que abordava. Não recordo o título, mas era uma pequena história que mostrava que a alfabetização era um processo, que ninguém sabe tudo e que era muito amplo e relativo o conceito de alfabetização.
Foi exatamente no ensino superior que cheguei a conclusão de que a necessidade antecede o prazer pela leitura. Explico: foi pela necessidade de ler que veio o prazer em ler. Fiquei chocado com a postura dos professores na graduação, primeiro porque a relação professor-aluno era totalmente diferente daquela que se via na educação básica, segundo porque parecia que os professores tinham “engolido” todos os livros do curso, fazendo citações, dando referências, e aquilo para mim era fantástico. Aprendi com eles a ser um aluno autônomo, eu mesmo gerenciando minha aprendizagem. Mas isso somente ocorreu em meados do curso.Hoje, considero-me um leitor, não apenas pela quantidade, mas pela qualidade das leituras que faço constantemente. Isso tanto pelo prazer quanto pela necessidade que minha profissão impõe.

QUEM SOU EU?

José Antonio Sousa Silveira nasceu a 11 de junho de 1968, na cidade de São Luís, capital do Maranhão. Filho de Dona Josefa Sousa Silveira e do Senhor Alberto Carlos Rodrigues da Silveira. Décimo terceiro filho, de um total de quinze, teve uma infância bastante difícil, não apenas pelas condições financeiras que seus pais tinham, mas por ter uma saúde bastante frágil. E foi por causa dessa saúde frágil que iniciou tardiamente sua vida escolar, tendo que abandonar as atividades escolares por muitas vezes, o que o deixou com a defasagem idade/série.
Desde que nasceu, morou na Rua da Vitória, no bairro do Caratatiua, um dos bairros mais antigos da capital São Luís. Foi lá que passou toda a sua infância e estudou as primeiras letras, na Unidade Escolar Sagarana I, escola estadual na qual sua mãe trabalhava como Auxiliar de Serviços Gerais. Morou com os pais e os irmãos até os 11 anos de idade, quando deixou a cidade para morar com sua irmã mais velha no interior do estado, no município de Timon, na região dos cocais, cidade vizinha da capital piauiense, Teresina. Desta fase de sua vida, restaram pouquíssimas lembranças de sua vida escolar, de seus contatos com a leitura e a escrita. Talvez sua lembrança mais marcante tenha sido as muitas histórias do imaginário popular contadas por sua mãe, que mesmo não tendo muitos anos de escolaridade, mas parece que sabia da importância de incentivar os filhos aos estudos, em especial o gosto pela leitura.
Aluno muito aplicado, deu continuidade aos estudos naquela cidade, na qual concluiu o fundamental menor, antigo primário, em 1980. Iniciou e concluiu o fundamental maior, antigo ginasial, em 1985, ao mesmo tempo em que fez o curso profissionalizante de Ajustagem Mecânica no SENAI – PI, na cidade de Teresina. Nesta fase, as lembranças mais vivas de suas experiências com os livros eram de sua curiosidade em saber de tudo um pouco. Sua irmã mais velha com quem foi morar era professora e em sua casa havia muitos livros didáticos e era sobre eles que se debruçava para saciar seu desejo e seu gosto pela leitura.
Iniciou o 2º Grau no Liceu Piauiense, cursando apenas o 1º ano Científico. No ano seguinte, resolveu ingressar no Curso de Formação para o Magistério, no Centro de Ensino de 2º Grau Profª. Jacira de Oliveira e Silva, interrompendo o curso no segundo ano. Sete anos depois, em 1992, após o falecimento de sua mãe, retorna para São Luís e retoma os estudos, conclui o Magistério e faz o 4º Adicional, que o habilita para trabalhar da Alfabetização á 6ª série do Ensino Fundamental. Sua vocação certamente foi desencadeada pelo universo que vivenciou quando morou com sua irmã professora, mas também teve o privilégio de encontrar com professoras apaixonadas pela profissão, o que de certa forma o contagiou e o fez decidir pelo magistério. Ao término do curso, presta concurso para professor da rede estadual de ensino e obtém aprovação, sendo nomeado logo de imediato.
O estudo da linguagem o encantou e o direcionou para as letras. Em 1997 presta seu primeiro concurso para o vestibular da Universidade Estadual do Maranhão para o curso de Letras e mais uma vez obtém êxito. Mais tarde concorreu em mais dois concursos para professor e novamente foi aprovado. No ano de 2004 concluiu sua Especialização em Linguística Aplicada. Desde então tem se envolvido com as questões relativas ao ensino da Língua Portuguesa, da Alfabetização, do ensino da leitura e da escrita desde a fase inicial da aprendizagem destas práticas. Já participou do programa Pró- letramento, em 2007/2008, como tutor, e atualmente está participando de outra formação na mesma área de linguagem, o Gestar II.
Um pouco de poesia não faz mal

JOSÉ ANTONIO SOUSA SILVEIRA



SOU DAS LETRAS...
MAS TAMBÉM SOU DOS NÚMEROS, DAS FORMAS, DA ESSÊNCIA;
QUE CONTAM, RECONTAM, EXPRIME SENTIMENTOS:
AMOR, PAIXÃO, EXCITAÇÃO
CIÚME, INVEJA, TRAIÇÃO


SOU DAS LETRAS...
QUE ESCREVEM CERTO POR LINHAS TORTAS;
MAS QUE TAMBÉM ESCREVEM TORTO COM LETRAS CERTAS:
CERTO-ERRADO;
CERTO OU ERRADO.
NÃO IMPORTA: O GÊNERO, O TIPO, A FORMA, O TAMANHO, O DESENHO...
MAS IMPORTA
O DIZER COM SENTIDO,
O FALAR PARA OUVIR,
O PENSAR;
O OUTRO LADO DO DISCURSO

SOU DAS LETRAS...
QUE TESTAM O TEXTO E CONTESTAM O CONTEXTO;
MAS QUE TAMBÉM CRIAM, RECRIAM E DÃO FORMA AO SUJEITO:
O (IN) INTELIGÍVEL
O (IN) INTERPRETÁVEL
O (IN) COMPREENSÍVEL
TUDO CABE NO TEXTO, POR ISSO
SOU DAS LETRAS!